quarta-feira, 12 de agosto de 2009

De olho nas bases

Corrreio Braziliense 11/08/09
América do Sul
Senado brasileiro ouve embaixador colombiano sobre acordo militar com os Estados Unidos e aceita convite para visitar as bases que o país cederá para operação das tropas americanas
Silvio Queiroz

Relações íntimas
A cooperação militar entre Colômbia e Estados Unidos vem de meio século, mas incrementou-se desde o Plano Colômbia (2000) e mais ainda com George W. Bush na Casa Branca (2001-2009). Em 2007, o secretário americano de Defesa, Robert Gates , mantido por Barack Obama, reuniu-se na base colombiana de Tolemaida (uma das que serão cedidas pelo novo acordo) com o comandante das Forças Militares, general Freddy Padilla, e o então ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, o favorito de Uribe para sucedê-lo em 2010.
A Comissão de Relações Exteriores do Senado prepara a visita à Colômbia de uma delegação, que possivelmente incluirá também deputados, para examinar de perto a cooperação militar entre o país vizinho e os Estados Unidos, objeto de preocupações expressas pelo governo brasileiro e outros da região desde que foi noticiado um acordo sobre a cessão de até sete bases colombianas para operação de tropas americanas. O convite foi feito — e prontamente aceito — pelo embaixador Tony Jozame, durante audiência informal em que ampliou as explicações dadas na última quinta-feira pelo presidente Álvaro Uribe, durante visita-relâmpago que incluiu uma longa reunião com o colega Luiz Inácio Lula da Silva e uma conversa de meia hora com um grupo de senadores, na base aérea.
Durante o debate, ficaram à mostra algumas diferenças pronunciadas de apreciação entre os congressistas sobre a polêmica das bases, que se tornou tema central da breve cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), realizada anteontem em Quito. Pelo lado dos democratas, os senadores Heráclito Fortes (PI) e Romeu Tuma (SP) manifestaram total “solidariedade” ao governo de Bogotá e minimizaram os receios pela presença militar americana às portas da Amazônia. Mas o vice-presidente da comissão, Geraldo Mesquita (PMDB-AC), fez coro com o Planalto e o Itamaraty, que consideram as explicações colombianas apenas “um bom começo”, enquanto Pedro Simon (PMDB-RS) apontou os americanos como o foco real de apreensão.
“Base americana, a gente sabe como começa, mas não como termina”, disse Simon depois de ter ouvido as colocações iniciais do representante colombiano. O parlamentar aplaudiu a proposta de Lula de que a Unasul leve suas preocupações sobre o acordo EUA-Colômbia ao presidente Barack Obama e reiterou suas críticas à reativação da 4ª Frota norte-americana, com jurisdição operacional na América Latina. “Com a vitória de Obama, está havendo um esvaziamento da Guerra Fria”, argumentou o senador, citando as iniciativas de desarmamento que o novo presidente dos EUA fechou com a Rússia e seu engajamento com a retomada do processo de paz no Oriente Médio. “E de repente esvazia lá e vem para cá, para a nossa América?”
Em sua exposição, o embaixador Jozame fez questão de frisar um dos argumentos centrais do governo colombiano, segundo o qual “não existirão bases americanas, mas bases colombianas” à qual os militares americanos terão “acesso operacional limitado” — termos nos quais o acordo é definido em um documento distribuído aos congressistas. O diplomata acrescentou alguns detalhes às informações já prestadas, em particular sobre a natureza do acordo em discussão com os EUA e sobre a dimensão do efetivo militar americano. Segundo o representante colombiano, o documento é “um convênio adicional” ao Plano Colômbia, tratado de cooperação (inclusive militar) firmado pelos dois países em 2000. Jozame garantiu que as atividades previstas são “as mesmas do Plano Colômbia”, que preveem capacitação e treinamento das tropas colombianas para o combate “ao narcotráfico e ao terrorismo”.
De acordo com o embaixador, o Plano Colômbia autoriza a presença no país de até 800 instrutores e 600 militares dos EUA, “mas hoje esse efetivo é de 400”. Com a extensão da cooperação às sete bases — que se espalham do litoral do Caribe, no norte, até as planícies do sudeste, a cerca de 400km da fronteira com Brasil e Venezuela —, o efetivo americano “chegará a menos de 50%” do teto previsto. Respondendo aos receios quanto a possíveis operações americanas em outros países a partir da Colômbia, Jozame foi categórico: “Entre os princípios (do acordo) está a não intervenção em assuntos internos de outros países”.
“Não me preocupo com esse acordo porque conheço as forças de segurança da Colômbia, do tempo em que fui diretor da Polícia Federal”, disse o senador Romeu Tuma. “Participei de várias reuniões e operações conjuntas e visitei inclusive estações de radares operadas pelos americanos em bases colombianas”, prosseguiu. “O que causa apreensão é a Venezuela comprando armas da Rússia.” Tuma criticou “as pressões” do presidente venezuelano, Hugo Chávez — “foi ele quem falou em guerra” —, alvo indireto de ataque também de Heráclito Fortes, que elogiou Uribe pelas iniciativas contra o narcotráfico: “Se alguns não querem fazer, vamos deixar quem quer fazer”.

CORRIDA ÀS ARMAS
Se alguns senadores temem que o acordo Colômbia-EUA provoque uma corrida armamentista na América do Sul, o anúncio feito ontem pela Bolívia confirma algumas preocupações. O vice-presidente Álvaro García afirmou que o país abrirá negociações com a Rússia e a China para adquirir helicópteros e armamentos destinados a reforçar a capacidade de patrulhamento das fronteiras, em especial no combate ao narcotráfico. Segundo García, a intenção inicial era comprar aparelhos checos e da empresa norte-americana Bell, mas a negociação teria sido vetada por Washington. O presidente boliviano, Evo Morales, rompeu a cooperação com os EUA na luta antidrogas.

Análise da notícia
Presidente e chanceler
O debate na Comissão de Relações Exteriores do Senado sugere que Álvaro Uribe marcou pontos importantes, na frente diplomática, com a iniciativa de percorrer sete países vizinhos, na semana passada, e explicar em pessoa os termos do acordo que negocia com Washington. O presidente colombiano colheu frutos em particular pela disposição de ainda se reunir com um grupo de senadores na base aérea, depois de três dias viajando e de uma conversa longa com Lula.
Se não bastou para dirimir todos os questionamentos, como os debates de ontem demonstraram, a visita reafirmou que Uribe tem sido, nos sete anos em que governa a Colômbia, o verdadeiro chanceler. Mais de uma vez, foi sua intervenção pessoal o fator capaz de desarmar crises diante das quais a diplomacia colombiana parecia na defensiva.
Não por acaso, sucedem-se os chanceleres no governo Uribe. O atual, Jaime Bermúdez, é o terceiro a ocupar o cargo desde a reeleição, em 2006. Mesmo quando Bogotá sofreu condenação generalizada no continente pelo bombardeio a um acampamento guerrilheiro do lado equatoriano da fronteira, o presidente foi quem tomou a frente da operação de contenção de danos, assumindo a responsabilidade pela transgressão e comprometendo-se publicamente em não repeti-la. (SQ)

Base americana a gente sabe como começa, mas nunca como termina”
Pedro Simon, senador (PMDB-RS)


Lula recebe Zelaya
Isabel Fleck

Como antecipado pelo governo brasileiro há uma semana, o presidente deposto de Honduras Manuel Zelaya chegou na noite de ontem a Brasília e foi recebido como “o chefe de Estado que ainda é”, inclusive com honras militares. Após desembarcar de um jato executivo Falcon 50 com matrícula venezuelana, ele concedeu entrevista à imprensa na Base Aérea. Zelaya disse esperar que o colega Luiz Inácio Lula da Silva condene o golpe de Estado em seu país como “crime de lesa-humanidade” e convença o norte-americano Barack Obama a intensificar a pressão econômica sobre o governo golpista. O encontro entre Lula e Zelaya deve ocorrer hoje à tarde na sede provisória do Planalto, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Na ocasião, o brasileiro terá a chance de reafirmar, pela primeira vez diante do próprio Zelaya, o apoio para que ele retorne ao posto o quanto antes. O caráter oficial da visita garantido pelo governo brasileiro, no entanto, não será visto do lado da diplomacia hondurenha. Além de o embaixador do país, Victor Manuel Lozano Urbina, ter sido internado com problemas respiratórios no Hospital das Forças Armadas, na véspera da chegada de Zelaya, a representação diplomática alegou não ter recebido “comunicado oficial sobre a viagem”.
Em nota antecipando a visita, o Itamaraty lembra que o governo “reitera sua mais veemente condenação ao golpe de 28 de junho” e pede que Zelaya “seja restituído em suas funções de modo incondicional e no mais breve prazo possível”. A pressão do Brasil, porém, não se dá apenas na retórica. Nas últimas semanas, o embaixador do país em Tegucigalpa, Brian Michael Fraser Neele, foi chamado de volta a Brasília, de onde não deve sair enquanto o presidente de fato Roberto Micheletti estiver no poder. Além disso, todas as atividades coordenadas pela diplomacia brasileira em Honduras, como cooperações técnicas e intercâmbio de estudantes, estão suspensas.
Para o cientista político da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Duarte Villa, o Brasil tem feito o que está a seu alcance para pressionar o governo de Micheletti — o que não significa que será eficaz. “Para Zelaya, a visita será importante porque reforça um apoio forte na região. Mas essa pressão só faria diferença se conseguisse sensibilizar o setor militar. O governo de fato foi colocado ali e depende dos militares”, opina Villa. “Quem pode, de fato, exercer uma pressão sobre o setor militar é os Estados Unidos”, afirma.
A expectativa é que o encontro com Lula dure uma hora. O governo brasileiro não soube precisar os outros compromissos de Zelaya em Brasília. Na última semana, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) convidou o hondurenho a visitar um acampamento do grupo próximo à capital.

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