Estado de São Paulo 10/08/09
Roberto Almeida
"A liberdade de imprensa enfrenta dias sombrios." Esta é a avaliação feita pela organização Repórteres Sem Fronteiras sobre a situação brasileira. A entidade, que defende o jornalismo e luta contra a censura em 120 países, condenou a decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que censurou o Estado, classificando-a de "abuso de poder".
De acordo com Repórteres Sem Fronteiras, o Grupo Estado foi "forçado ao silêncio após ter divulgado informações envolvendo autoridades públicas". Em sua decisão, Vieira proibiu o Estado de divulgar informações referentes à Operação Boi Barrica, que envolve Fernando Sarney, filho do presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP). Os áudios em que ambos falam sobre distribuição de cargos no Senado tiveram de ser retirados do portal estadao.com.br.
"Quanto à decisão da Justiça que proíbe O Estado de S.Paulo de publicar notícias sobre Fernando Sarney, constitui um ato de censura que lesa a liberdade de expressão", anota a entidade.
O advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, do Grupo Estado, pediu na última quarta-feira que Vieira se afaste do caso. Ex-consultor jurídico do Senado, o desembargador é do convívio social da família Sarney e do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Ele foi fotografado ao lado de Sarney no casamento de Mayanna Maia, filha de Agaciel, da qual o presidente do Senado foi padrinho.
"O fato de um familiar de um político eleito conseguir que seu nome não seja citado impede a imprensa de o mencionar como personalidade pública. Se trata de um abuso de poder, que esperamos que seja corrigido pela decisão em recurso", afirma a Repórteres Sem Fronteiras.
Com a declaração, a entidade junta-se à Organização dos Estado Americanos (OEA), Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), International Federation of Journalists (IFJ) e Artigo 19, que também condenaram o caso. Para todas as entidades, a decisão de Vieira vai na contramão dos pareceres emitidos pelo Supremo Tribunal Federal por se tratar de "censura prévia".
A OEA, por meio de sua relatora especial para Liberdade de Expressão, Catalina Botero Marino, alertou o Brasil para uma possível "responsabilização internacional" caso a decisão não seja revertida.
Condenações do Brasil elevam procura por corte da OEA
Nos últimos 10 anos, País foi alvo de 507 denúncias e 108 ações em tribunal internacional
Roberto Almeida
Um clique no site da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ainda em 1999, rendeu a primeira condenação internacional do Brasil. A segunda condenação, na última sexta-feira, ocorreu por conta de ação preparada por advogados especializados. E há mais por vir. Tramitam na OEA outras 108 petições contra o País por casos de tortura, assassinato, falhas no sistema carcerário e crimes contra a infância e adolescência.
Os brasileiros aprenderam a usar o sistema OEA, na visão do ministro Paulo Vannuchi, chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos. A fase das denúncias individuais foi ultrapassada, e hoje elas estão concentradas nas mãos de ONGs especializadas, com defensores gabaritados. Mas ainda há erros, segundo Vannuchi, que vê abusos e demandas "antes da hora".
"Nesse processo nem sempre o sistema é acionado corretamente", alerta o ministro. "Mas é na repetição de casos assim que o Judiciário brasileiro fica sabendo que, ao tomar decisões, é passível de ser interpelado e condenado por uma corte internacional. O novo nasce do velho. Muitas dessas condenações serão condenações do Brasil antigo, velho, que ainda não desapareceu."
Nos últimos 10 anos, foram apresentadas 507 denúncias de violação da Convenção Americana, documento essencial da OEA, ratificado pelo Brasil em 1992. Do total, 29 foram admitidas pela comissão para análise.
Os casos levados à corte são antigos, porque é preciso exaurir todos os recursos na Justiça do país de origem para que sejam aceitos. O longo processo de idas e vindas jurídicas - a famosa morosidade do Judiciário brasileiro - repete-se na OEA.
O clique na internet em 1999, que levou à condenação do Brasil no caso Damião Ximenes, levou sete anos para chegar a uma sentença na Corte Interamericana (leia texto nesta página). E os advogados da ONG Justiça Global esperaram nove anos para vencer a batalha na corte e garantir indenização aos sem-terra grampeados ilegalmente no Paraná em 1999. A decisão foi considerada "histórica" por envolver a chamada criminalização de movimentos sociais. O caso terá de ser reaberto pela Justiça paranaense.
As mais recentes denúncias admitidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), primeira instância do processo, são sobre crimes da década de 1980. Como o assassinato de Gabriel Pimenta, advogado e militante de direitos humanos, em 1982, no Pará. Como o assassinato de Margarida Alves, ativista de uma entidade rural, em 1983, na Paraíba.
Na Corte Interamericana, última instância, há dois casos próximos de julgamento. O da Guerrilha do Araguaia é o mais estrepitoso. Chegou lá em 26 de março deste ano. "A submissão do caso à corte apresenta uma nova oportunidade para consolidar a jurisprudência sobre as leis de anistia", anota a OEA.
O segundo caso é de Sétimo Garibaldi, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), morto em 1998 em Querência do Norte, interior do Paraná. A denúncia foi apresentada em 2003, chegou à corte em 24 de dezembro de 2007 e aguarda julgamento. "A comissão estabeleceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela violação do direito à vida do senhor Sétimo Garibaldi e constatou uma série de omissões e falta da devida diligência na investigação instaurada pelo homicídio", descreve a OEA.
CAUTELARES
A OEA pode, além de condenar, determinar medidas cautelares para a União. Desde 2003, foram outorgadas ao Brasil nove dessas medidas, envolvendo especialmente casos de maus tratos em situação carcerária.
Entraram na mira da organização a Polinter-Neves, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, o Centro de Atenção Juvenil Especializado, em Brasília, a 76ª Delegacia de Niterói e a Febem do Tatuapé, em São Paulo.
Em todos os casos, a OEA pediu medidas para "garantir a vida e a integridade pessoal" dos presos. O resultado mais expressivo foi o fechamento da Febem do Tatuapé, em 2007.
No balanço do cumprimento de suas recomendações, a OEA avalia que a Lei Maria da Penha, que estabelece punições para quem comete violência contra a mulher, cumpre "significativamente" o que foi requisitado. Em outros três casos, o Brasil cumpriu recomendações "parcialmente". Há dois com "pendências" e dois acordos bem-sucedidos entre as partes. Em um caso, do assassinato de Jailton Neri da Fonseca, de 13 anos, na favela Ramos, no Rio, o Brasil não cumpriu o que foi pedido. O garoto teria sido executado, em 1995, pela Polícia Militar.
''Culpa é da inoperância da Justiça'', diz Bicudo
Ex-membro da Comissão da OEA alerta sobre lentidão
Roldão Arruda
O jurista Hélio Bicudo - figura emblemática da luta pela defesa dos direitos humanos nos anos da ditadura militar - acredita que o aumento de demandas brasileiras na Organização dos Estados Americanos (OEA) deve-se sobretudo à inoperância do nosso sistema judiciário. "A Justiça no Brasil não funciona", afirma ele. "Quando funciona, é lenta demais. As decisões ficam defasadas."
Bicudo presidiu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA de 1998 a 2001, e hoje está à frente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos - entidade que conta com juristas de várias nacionalidades cuja principal tarefa é encaminhar àquele organismo casos não apurados pela Justiça nos países onde ocorreram.
O Brasil, segundo o jurista, que tem 87 anos, só reconheceu a jurisdição da corte interamericana em 1998. E ainda assim impôs a condição de que só seriam tratados ali casos ocorridos a partir daquele ano. "Na prática, porém, o País tem reconhecido a interpretação da corte de que o Estado se responsabiliza também por fatos anteriores àquela data", afirma.
O jurista reconhece que os poderes das instâncias internacionais são limitados. "Se a recomendação não for aceita, a comissão encaminha o caso à Corte Interamericana, cujas decisões devem ser obrigatoriamente aceitas pelos países. Se isso não ocorrer, o caso é levado à Assembleia Geral da OEA, onde o problema deixa de ser apenas jurídico e passa a ser político. O Brasil é um país que tem muita força na assembleia."
O maior problema, segundo Bicudo, é quando as decisões da Corte Interamericana esbarram nos poderes do Judiciário do país acusado. Exemplo vivo é o que envolve a Lei da Anistia no Brasil.
A OEA ainda não se pronunciou, mas a tendência entre seus especialistas é não aceitar a autoanistia, ou seja, que ditadores possam promulgar leis que absolvam seus atos, nem que pessoas responsáveis por crimes de tortura, morte e desaparecimento fiquem livres de punição. No Brasil, porém, o Judiciário tende a ver a questão por outro viés. "O próprio presidente da República já disse que a Lei de Anistia beneficia militares. É uma interpretação casuística e oportunista. Talvez tenhamos de esperar outro presidente para rever a questão."
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