Jornal do Brasil 21/08/09
Coisas da Política
Mauro Santayana
O Senado deixou de ser a casa representativa dos estados e, nessa condição, revisora das decisões da Câmara dos Deputados. O que ocorreu quarta-feira passada ultrapassou os limites da razão política e violou o pudor elementar a que se obrigam as pessoas em seu convívio social e no exercício do poder. A partir da reunião do Conselho de Ética, os senadores José Sarney e Arthur Virgilio estão condenados a se tomarem íntimos, independentemente de seu comportamento político pessoal Não são apenas os dois que passam a depender um do outro. A eles se juntam os que, no Senado, contribuíram para a exculpação recíproca da maioria e minoria. Só se excluem dessa molesta situação os senadores que dela se esquivaram. Entre eles, há que se registrar o nome do senador Flávio Arns, que anunciou, em discurso, que deixará o PT, quando obtiver, na Justiça Eleitoral, o reconhecimento de seu direito a abandona-lo, sem renunciar ao mandato.
Nesse capítulo, temos mais um problema, que confirma o equívoco do STF em impor a fidelidade partidária. Como se comportará o PT diante da desfiliação da senadora Marina Silva? Será difícil ao partido não admitir que a senadora fora fundadora de uma agremiação política e abandona outra, distanciada de seus estatutos de origem.
Há outras consequências políticas que vão além do episódio ético. Qualquer cidadão ou cidadã tem o direito de pleitear a Presidência da República, se estiver no gozo de seus direitos políticos e tiver a idade exigida. A senadora Marina Silva é pessoa respeitada pela biografia e pela conduta política. Ela foi impelida a deixar o Ministério, quando vencida em sua ideias sobre a preservação da Amazônia. Era natural que se demitisse, quando o presidente da República aprovou decisões que a contrariavam. Mas uma coisa é o desempenho ético e, até mesmo técnico, de um candidato. Outra são as condições objetivas de que disponha para ganhar o pleito e, uma vez empossado, exercer, com liderança política e bom senso, seus deveres constitucionais. A um governante não bastam só as virtudes, mesmo porque ninguém se faz apenas de virtudes. Quando o general Ongania,ditador argentino e católico intransigente, nomeou um governo de homens tidos como absolutamente virtuosos, o bispo Jeronimo Podestá, da diocese de Avellaneda, perguntou se não seria conveniente, naquele ministério de "santos", pelo menos um pecador. Podestá que, no ano seguinte, assumiria um caso de amor, ao casar-se com a secretária, foi destituído do episcopado e se tornou defensor do fim de celibato e partidário das posições políticas avançadas da Igreja.
O Brasil está entrando em.zona do tempo -que exigirá mais do que virtudes cristãs no governo. Temos que enfrentar a cobiça internacional sobre o território, e não podemos admitir, a que título for, que estrangeiros se metam em nossos negócios internos, nem mesmo quando exibam bandeiras "humanitárias". O assassinato de Chico Mendes mereceu estranho editorial do New York Times. O jornal afirmava que o ativista lutara e fora morto para que o mundo respirasse melhor. Deveria ser de leitura obrigatória, no Parlamento, no Poder Executivo, nas Forças Armadas, nas universidades, na UNE, nos sindicatos, o excelente estudo, que citamos recentemente, sobre a penetração norte-americana na Amazônia, a pretexto de sua "evangelização" e sob o comando de Nelson Rockefeller. Os que viveram aquele tempo, sabem com que desenvoltura o filho de John Rockefeller trafegava pelos corredores do poder em nosso país. O livro, Seja feita a tua vontade, de autoria dos jornalistas norte-americanos Gerard Colby e Charlotte Dennet, foi publicado em 1995 pela Harper Collins. Em 960 páginas, os jornalistas fazem documentada denúncia do avanço ianque sobre a soberania dos países-amazôniicos, principalmente a do Brasil. Ninguém tem direito à ingenuidade, quando se trata da defesa de nosso território e de nossa autodeterminação política.
Entre os corruptos e os ingênuos há milhões de brasileiros, capazes de se entregar ao serviço da pátria com honra, dignidade e coragem. Quando os Estados Unidos, a Holanda, a França e a Inglaterra se adestram para a guerra na selva, ao lado das nossas fronteiras, é preciso exigir dos governantes mais do que virtudes passivas; é preciso escolher pessoas dispostas a morrer na defesa da nacionalidade, como morreu Salvador Allende, em seu gabinete presidencial.
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