domingo, 30 de agosto de 2009

O SEQUESTRO DO EMBAIXADOR AMERICANO

O Globo 30/08/09

Exército assumiu morte de Jonas
Em dossiê sob sigilo há 40 anos, Força admite responsabilidade no assassinato do guerrilheiro

Bernardo Mello Franco



Num dossiê mantido em sigilo há quatro décadas, o Exército assume a responsabilidade pela morte do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, considerado o primeiro desaparecido político da ditadura militar. Ele comandou a ação mais ousada da luta armada contra o regime: o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, de 4 a 7 de setembro de 1969 - que completa 40 anos na próxima sexta-feira. Segundo relatos de presos políticos, Jonas foi morto a pontapés, ao fim de uma longa sessão de tortura feita por militares e civis da Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo.

O paradeiro do corpo nunca foi revelado, e as Forças Armadas jamais admitiram o crime oficialmente. O documento obtido pelo GLOBO foi produzido pelo Centro de Informações do Exército (CIE), vinculado ao gabinete do então ministro da Força, general Aurélio de Lyra Tavares. Sua existência comprova que a cúpula da ditadura foi avisada sobre a morte de Jonas nos porões. Mesmo assim, a Justiça Militar o condenou "à revelia" duas vezes, em 1970 e 1977, com base na Lei de Segurança Nacional. Somadas, as penas chegariam a 33 anos de prisão.

O relatório foi redigido em 8 de outubro de 1969, com o título de "Informação n. 2.600" e carimbos de "confidencial". Jonas foi capturado e morto nove dias antes, em 29 de setembro. No documento, os militares evitam a palavra tortura. Dizem que o guerrilheiro reagiu à prisão e morreu em virtude de "ferimentos recebidos" sob custódia da Oban.

O trecho que elucida o crime ocupa apenas quatro linhas do relatório. Diz o seguinte: "Virgílio Gomes da Silva, vulgo Jonas, vulgo Borges, reagiu violentamente desde o momento de sua prisão, vindo a falecer em consequência dos ferimentos recebidos, antes mesmo de prestar declarações". Segundo o cabeçalho, o documento circulou na época por dez órgãos militares, incluindo os serviços secretos da Marinha e da Aeronáutica.

Ao fim do dossiê, foram anexadas informações e fotos de 19 militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) presos após o sequestro. Há cópias de três documentos de Jonas (título eleitoral, carteira de habilitação e uma carteirinha de sócio do Jardim Zoológico de São Paulo) e três retratos 3x4, nos quais ele aparece com e sem bigode. E uma anotação, à mão: "Jonas - Morto - Participou do Sequestro".



Em versão falsa, morto virou "foragido"

Outro documento secreto mostra que a ditadura fabricou uma versão falsa para encobrir o assassinato quatro dias depois do dossiê em que admitia a morte de Jonas. Trata-se do Relatório Especial de Informações n. 28, assinado pelo general Aloysio Guedes Pereira, comandante da 2ª Divisão de Infantaria do II Exército, de 12 de outubro de 1969. Desta vez, no entanto, Jonas foi apresentado como foragido.

Para dar credibilidade à suposta fuga, o relatório mistura fatos verídicos e inventados. Na parte verdadeira, informa o endereço em que ele foi capturado pela Oban e que participou do sequestro de Elbrick "na qualidade de chefe da ação". Na falsa, que "evadiu-se na ocasião em que foi conduzido para indicar um 'aparelho'".

Enquanto o Exército se manteve em silêncio, outros órgãos apresentaram versões divergentes para o caso desde a redemocratização. Em 1985, o projeto "Brasil: Nunca Mais", coordenado por Dom Paulo Evaristo Arns, divulgou depoimentos de dois presos que viram Jonas ser morto na Oban. Em 1993, a Marinha enviou ofício ao então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, com outra versão fantasiosa: ele teria morrido num tiroteio ao reagir à prisão. Só em 2004 foi descoberto, no Arquivo do Estado de São Paulo, laudo do IML com a foto do rosto de Jonas, já morto e desfigurado por agressões.

Na sexta-feira, O GLOBO enviou ao Exército dez perguntas sobre as circunstâncias da morte do guerrilheiro e a existência de arquivos que possam indicar onde seu corpo foi enterrado. A resposta veio em uma frase: "O Centro de Comunicação Social do Exército informa que não existe documento na Instituição que registre a ocorrência mencionada em sua mensagem".

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