Estado de São Paulo 25/08/09
Assim que assumiu o governo da Bolívia, Evo Morales interrompeu a campanha, financiada pelos Estados Unidos, de substituição das plantações de coca por culturas que permitissem aos agricultores locais levar uma vida digna. Afinal, Morales é um líder cocalero que fez carreira política prometendo liberar o plantio das folhas de coca, cujo uso, segundo ele, é parte inextricável da ancestral cultura indígena de seu país. Pouco se lhe dá que folhas que não são mascadas nem queimadas em rituais religiosos - e são muitas toneladas delas - sejam transformadas, primeiro, em pasta e, depois, em cocaína refinada.
Assim, desde que Evo Morales está no poder tem aumentado sistematicamente a produção de coca e, consequentemente, a de cocaína. Só no ano passado, segundo o Escritório da ONU sobre Drogas e Crime, a área de cultivo aumentou 6% e o potencial de produção de cocaína cresceu 9% na Bolívia.
Cerca de 70% da droga vem para o Brasil. Parte é consumida aqui e o restante é contrabandeado para outras partes do mundo. Trata-se da principal atividade do crime organizado - com o poder de corrupção e de violência que transformaram os morros do Rio de Janeiro em áreas liberadas, onde não entram as instituições do Estado, e que já ameaçam cidades do interior de vários Estados. Não se pode dizer, portanto, que a sorte dos cocaleros bolivianos não interessa a nós, brasileiros.
O problema é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sobre esse problema uma visão muito peculiar, própria de quem acha que deve fazer o possível e o impossível para ajudar o compañero Morales. No sábado, na região do Chapare, o principal centro cocalero da Bolívia, ele não apenas usou um colar feito com folhas de coca, como liberou crédito de US$ 21 milhões para a compra, pelo Brasil, de têxteis bolivianos. Esse crédito era, até 2008, fornecido pelo governo americano, como parte do Programa de Preferências Tarifárias Andinas e Erradicação de Drogas. Deixou de ser fornecido porque Morales interrompeu o programa de erradicação da coca. Agora, o Brasil faz seu programa às avessas: dá dinheiro para quem produz a droga que envenenará a juventude nas grandes cidades brasileiras.
Nessa mesma visita à Bolívia, o presidente Lula reclamou do presidente Evo Morales uma solução para os brasileiros que vivem na fronteira da Bolívia com o Acre. Em 2006, Brasil e Bolívia assinaram um acordo, já renovado duas vezes, para regularizar a situação dos nacionais de ambos os países que migraram clandestinamente de um para o outro. Nesse período, o convênio beneficiou cerca de 50 mil bolivianos, a maioria vivendo em São Paulo - e somente 8 brasileiros. Agora, o governo boliviano prepara a expulsão de cerca de 5 mil brasileiros que vivem na área fronteiriça dos Estados de Pando e Beni. Os que concordarem em ser removidos para as áreas mais interiores do atrasado Estado de Pando receberão uma pequena ajuda - proveniente de um fundo de R$ 20 milhões fornecido pelo governo brasileiro. Os colonos que insistirem em ficar serão removidos pela força e perderão suas terras e as benfeitorias que sobre elas construíram. Em defesa desses brasileiros desassistidos, o presidente Lula solicitou gentilmente a seu colega bolivariano que os trate "com carinho". Ou seja, o governo brasileiro não moverá uma palha - além dos R$ 20 milhões entregues ao governo boliviano - para ajudar os colonos brasileiros. Não correrá o risco de desagradar ao compañero Morales.
O terceiro gesto de solidariedade em relação à Bolívia, nesta viagem, foi conceder um financiamento de US$ 332 milhões do BNDES para a construção da estrada Villa Tunari-San Ignacio de Moxos, ligando os Estados de Beni e de Cochabamba. A estrada será construída pela empreiteira brasileira OAS, escolhida pelos bolivianos. Como a obra já foi iniciada e parada por causa de denúncias de irregularidades no acordo entre a Administradora Boliviana de Estradas e a OAS, e porque não há acordo sobre detalhes ambientais - a via cortará um parque natural e reservas indígenas -, não será precaução demasiada o BNDES lançar esses US$ 322 milhões nos créditos de liquidação duvidosa. Isso porque qualquer controvérsia a respeito do crédito "será dirimida por negociação entre as partes, por via diplomática". Assim, nem de pai para filho. Afinal, Morales está em campanha eleitoral e conta com a ajuda de Lula.
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