O Globo 03/08/09
'Não podemos deixar que o combate ao preconceito (...) reforce crenças perversas do racismo e divida nossa sociedade'
Leila Suwwan
BRASÍLIA. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, negou uma liminar para a suspensão do sistema de cota racial no vestibular da Universidade de Brasília (UnB), por considerar que não existe urgência na análise do tema, proposta em uma ação de inconstitucionalidade apresentada pelo DEM. No entanto, no despacho, Gilmar afirmou que o assunto é de "suma importância para o fortalecimento da democracia" e teceu argumentos que questionam a legitimidade da reserva de cotas para negros e pardos como forma de combater a discriminação e a exclusão.
O ministro argumenta a favor da necessidade de políticas públicas que favoreçam a igualdade. Mas põe em dúvida o critério racial e o uso de reserva de vagas no lugar de outras ações afirmativas.
"Não podemos deixar que o combate ao preconceito e à discriminação em razão da cor de pele, fundamental para a construção de uma verdadeira democracia, reforce crenças perversas do racismo e divida nossa sociedade em dois polos antagônicos: brancos e não brancos ou negros e não negros", concluiu Gilmar, na decisão.
Processo será distribuído após as férias do tribunal
Após as férias do tribunal, o processo será distribuído, e os ministros vão decidir sobre o caso. Gilmar avaliou que, do ponto de vista pragmático, o sistema de cotas é de difícil aplicação efetiva, devido ao problema da definição racial, que precisaria ser determinada pelo Estado. E reconhece que, no caso da UnB, que faz análise de fenótipo, há enorme polêmica.
O ministro questiona ainda se as cotas, e não outras políticas sociais, seriam as mais benéficas: "Infelizmente, no Brasil, o debate sobre ações afirmativas iniciou-se de forma equivocada e deturpada. Confundem-se ações afirmativas com política de cotas, sem se atentar para o fato de que as cotas representam apenas uma das formas de políticas positivas de inclusão social".
No setor educacional, por exemplo, o ministro advoga a importância de políticas de melhorias no ensino médio para se alcançarem os mesmos objetivos. Por outro lado, analisa a legitimidade de combater um gargalo educacional do ponto de vista racial, ao invés do econômico. "Somos levados a acreditar que a exclusão no acesso às universidades públicas é determinada pela condição financeira. Nesse ponto, não parece haver distinção entre brancos e negros, mas entre ricos e pobres", afirmou ele, na decisão.
Gilmar aponta a necessidade de se debater se está em curso uma mudança - sociológica e antropológica - da consideração de que o Brasil é um país miscigenado, que estaria sendo substituída pela concepção de "nação bicolor". Cita acadêmicos e personalidades que, em abaixo-assinado, resumiram uma preocupação: "O racismo contamina profundamente as sociedades quando a lei sinaliza às pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial, e que seus direitos são afetados pelo critério de pertinência de raça".
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê sua opinião, livremente, respeitando os limites da legalidade e da ética.